Entrevista no Jornal Económico sobre gestão de pessoas

Entrevista no Jornal Económico sobre gestão de pessoas

“Não se gerem pessoas como se gere coisas. As pessoas pensam e têm vontade própria”

Em entrevista ao “Jornal Económico”, à margem da XIV Convenção da ERA, o professor e especialista em gestão e comportamento organizacional identifica as características de um bom líder e a melhor estratégia para aumentar a produtividade de uma empresa.
Licenciado em Medicina, mas professor e especialista em gestão e comportamento organizacional, o brasileiro Eugénio Mussak identifica quais são as características que fazem um bom líder e qual a melhor estratégia para aumentar a produtividade de uma empresa. Em entrevista ao “Jornal Económico”, à margem da XIV Convenção da ERA, defendeu que não cabe às empresas garantirem a felicidade do trabalhador. “Atribuir à empresa a felicidade do seu funcionário, acho cruel para com a empresa”, diz.
Compara as empresas a organismos vivos, porquê?

Temos uma herança da revolução industrial de comparar uma empresa com uma máquina, porque a máquina dá aquela ideia da eficiência, mas a empresa não é uma máquina, é um ser vivo. Está em processo permanente de evolução. Uma empresa tem células que são as pessoas, tem tecidos que são as equipas, a empresa nasce, cresce, emadurece, pode adoecer, pode até morrer, pode ter filhos. O mais importante: é um ser vivo inserido num ecossistema chamado mercado e esse ecossistema está em permanente mutação. Então, é responsabilidade da boa gestão, da boa liderança, compreender as mudanças que estão a acontecer nesse ecossistema e adaptar a empresa. É o que chamamos de evolução e sem evolução não há sobrevivência.
 
Falou sobre uma boa liderança. O que é que caracteriza um bom líder de equipas?
A gente reconhece um líder por aquilo que chamamos atributo, uma característica que alguém tem, que o identifica como alguma coisa. Os atributos de um líder são comportamentais, que podemos dividir em três categorias. Existem as competências – que, por sua vez, são divididas: as voltadas para o negócio, onde o líder conhece o negócio, sabe desenhar uma estratégia, consegue conectar os pontos, controlar o sistema; e há as competências soft, que são as competências em relações humanas – se um líder é capaz de comunicar, engajar pessoas em prol de um mesmo objetivo, motivar, inspirar e capacitar os trabalhadores. São competências que se desenvolvem estudando, mas também praticando, errando, corrigindo. É um processo que jamais terminará. Mas as competências são apenas um dos atributos de um bom líder.
Referiu três atributos. Quais são os outros?
O segundo é o carácter, que é o que faz com que uma pessoa seja admirada, respeitada e que gera confiança. O caracter é um compromisso com os valores, a coragem, a determinação. E o terceiro é o que poderíamos chamar de causa. A causa de um líder é o conjunto de objetivos, ambições, não há um líder que não seja ambicioso. Mas ambicioso não apenas por ganhar dinheiro, mas sim por realizar, por atingir determinados objetivos e principalmente o objetivo de deixar um legado. Os líderes querem ser lembrados depois pela sua obra, pelo que deixaram. Isto vem de um estudo que não é recente mas que foi tomando formas nos últimos tempos. O que ficou claro é que se faltar um dos três atributos não existe um líder, existe um arremedo de líder. Por exemplo, se encontrar alguém com competências e excelente carácter, mas com falta ambição, a definição de um objetivo claro e causas para defender, não tem um líder. Liderar significa conduzir as pessoas em direção a algum lugar. Você pode ter um tecnocrata, mas não um líder. Ou se tiver um indivíduo com competência e ambição, mas sem carácter, também não é um líder. Isto ajuda a perceber que lideranças queremos dentro da nossa organização.

A tendência será para que, por força das alterações tecnológicas, as equipas funcionem virtualmente ou trabalhem à distância? As atuais lideranças estão preparadas para gerir essas equipas?
O teletrabalho é uma tendência muito forte na Europa e está a aumentar no mundo inteiro. Estamos a falar, no fundo, do uso de uma ferramenta a mais que é a tecnologia. Muitos consideram que afasta as pessoas, mas quando bem usada é algo que as aproxima. A recomendação que se faz hoje é que se use cada vez mais a tecnologia, mas de forma adequada. Por exemplo, no evento da ERA, o diretor de marketing mostrou um novo aplicativo de comunicação para que o corretor que não se encontra no escritório esteja em comunicação permanente com a empresa, com a sua equipa, com o seu líder e com o seu cliente. Estamos a viver um novo tempo em que é absolutamente fundamental que as pessoas percebam que faz parte o uso da tecnologia. Mas quero insistir que a tecnologia é apenas isso, uma ferramenta.
 
Mas coloca mais desafios para o líder da equipa?
Não creio que seja um complicador, acho que é um facilitador, mas volto a dizer que a comunicação à distância usa uma ferramenta. A tecnologia não substitui o contacto humano.
 
Identificou num estudo que muitos trabalhadores abandonaram as empresas porque não receberam feedback sobre o seu trabalho. É uma vertente que as empresas necessitam alimentar permanentemente para manter o capital humano?
As empresas são geridas – existe uma ciência para isso chamada gestão e que é uma ciência – com um capítulo importante que se chama gestão de pessoas. É diferente de fazer gestão de processos, gestão de dinheiro, de património físico. Não se faz gestão de pessoas como se faz gestão de coisas, porque as pessoas pensam e têm vontade própria, portanto, farão o que quiserem. Então, fazer gestão de pessoas está cada vez mais ligado com fazer gestão de vontades. Para isso existem algumas ferramentas e, na minha concepção, a mais importante chama-se exatamente feedback. Antigamente chamávamos feedback positivo e negativo. Hoje não se utiliza mais essa expressão. Usa-se feedback validativo e feedback corretivo. O corretivo existe, evidentemente, para que o líder ajude o outro a perceber que aquilo que o trabalhador faz poderia estar fazendo melhor. Não significa dar uma ordem. Significa: vamos conversar, acho que você pode render mais no seu trabalho, atingir resultados melhores, vamos ver juntos como é que isso pode ser feito. Já o feedback validativo é aquele que existe para reforçar um comportamento favorável. É fundamental que você deixe claro para o seu funcionário que você está satisfeito com o desempenho dele porque isso reforça aquele comportamento, aumenta a autoconfiança e a autoestima. A autoconfiança para sermos produtivos e a autoestima para sermos felizes. Essas duas qualidades psicológicas não conseguimos construir sozinhos, precisamos do outro, precisamos do feedback de quem está junto conosco. E se você é um líder, espera-se que esteja.
Falou sobre felicidade. A ideia de felicidade no trabalho está a ser sobrevalorizada ou tornou-se realmente uma peça essencial para atrair ou manter um trabalhador?
Isso é uma pergunta muito interessante e até um certo ponto um pouco polémica. Eu não consigo dar felicidade para ninguém. Eu posso dar elementos que você vai usar para construir a sua própria felicidade, mas não pode responsabilizar-me pela sua felicidade. Atribuir à empresa a felicidade do seu funcionário, acho cruel para com a empresa. A empresa tem de oferecer meios para que as pessoas tenham bem-estar, meios para que as pessoas aprendam constantemente, oferecer horizontes, destinos, otimismo com o futuro. Isto a empresa pode oferecer. Como a felicidade é algo muito individual, as pessoas devem procurar empresas que ofereçam condições que coincidam com o seu conceito de felicidade.
 
Qual deve ser a estratégia de liderança para aumentar a produtividade de uma equipa?
Existem três componentes fundamentais para que um trabalhador que faz parte de uma equipa seja produtivo. Primeiro, as pessoas têm de estar capacitadas. Uma pessoa que não está capacitada não sabe fazer o trabalho. Segundo, tem de estar motivada. Uma pessoa não motivada, não quer fazer o trabalho. Terceiro, tem de estar engajada, tem de estar inserida dentro da empresa, se não estiver não consegue fazer o trabalho, porque não pertence àquele corpo. O trabalhador tem de compreender os valores da empresa, o ADN que é a essência da marca, perceber se coincide depois com a essência da sua marca pessoal. A motivação é muito importante. Mas isso é um capítulo à parte, compreender: como é que se motiva as pessoas?
Como?
A motivação, insisto, é um capítulo à parte, faz parte da psicologia e da psicologia organizacional. Fazendo o resumo, do resumo, do resumo: nós todos somos motivados pela busca de atender as nossas necessidades, porque se eu não atender às minhas necessidades vou sofrer e eu não quero sofrer. Eu preciso alimentar-me, porque se não me alimentar vou passar fome. Ou seja, estou sendo motivado para fazer alguma coisa para não sofrer ou para mitigar o sofrimento. As pessoas trabalham nas empresas porque precisam, precisam do salário no final do mês. Se não tiverem o salário vão sofrer. Mas o que temos que considerar que isso é apenas 50% da motivação, atender as necessidades. Os outros 50% têm a ver com atender aos desejos e o desejo é diferente da necessidade. Enquanto a necessidade está ligada ao instinto de evitar sofrimento, o desejo está ligado ao instinto de ter prazer. Nós somos muito movidos pelo prazer. Então, nós comemos por necessidade? Sim, mas também queremos que a comida esteja bem temperada, bem preparada, seja saborosa, tenha um bom vinho para acompanhar porque é prazeroso. Podemos trazer esta metáfora para o mundo do trabalho. Quando vamos almoçar comemos salada, o prato quente, e isso satisfaz a nossa necessidade física, mas depois comemos a sobremesa e a sobremesa não é necessária. Você já está devidamente alimentado, não precisa comer sobremesa.
 
Isso quer dizer que a realização profissional não é uma necessidade?
Não acho que a sobremesa seja necessária quando vou ao restaurante, no entanto, eu como a sobremesa. Porquê? Porque ela tem a finalidade de dar prazer. A vida seria muito chata sem sobremesa. Então, eu não quero trabalhar num local que atenda só as minhas necessidades, eu quero também ter o prazer no meu trabalho. E aí vêm o que disse sobre a realização. Aqui no meu trabalho eu posso me realizar, sentir que sou útil, que estou deixando um legado e isso é importante também, eu perceber que tenho futuro, que posso crescer e isso é prazeroso. Portanto, as empresas bem geridas são aquelas que atendem as necessidades dos seus funcionários mas também se preocupam com os seus desejos. Portanto, quando você me pergunta o que motiva as pessoas? Varia muito, dependendo do momento que você está na sua vida, daquilo que te dá prazer além das suas necessidades e a gestão de pessoas tem que olhar sempre para esses dois lados, se as pessoas estão se realizando do ponto de vista das suas necessidades e dos seus desejos.

Fonte: http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/eugenio-mussaknao-se-gerem-pessoas-como-se-gere-coisas-as-pessoas-pensam-e-tem-vontade-propria-281858